domingo, 10 de agosto de 2014

Ritos de passagem


O mito tem tido, desde o princípio e em todas as culturas, quatro funções:
    • colocar as pessoas em contato com o mistério – o sagrado;
    • prover uma cosmologia – a origem do mundo e do ser humano;
    • manter o funcionamento do grupo social;
    • guiar o desenvolvimento do indivíduo dentro de seu grupo.
No transcurso da história essas funções passaram a ser das religiões, da ciência e da política, e algumas delas se perderam.
Os ritos de passagem têm a função de conduzir a pessoa nos momentos de transformação da vida, e cobrem as duas últimas funções da mitologia, acima. Revivem para o grupo a estrutura social: os ritos de nascimento e de morte são para o grupo, para os que recebem a criança e para os que se despedem do morto. Outros ritos são os da puberdade, de casamento, de instalação, de atribuição de nome...
No rito de puberdade kamayurá, do Parque do Xingu, na primeira menstruação a menina fica reclusa durante um ano, em que sua comida é especial, para ficar com corpo de mulher. Aprende a fazer esteira, cestos, todo o artesanato que precisará para sua vida adulta, e todas as outras habilidades necessárias. Ao terminar esse ano sua pele está branca pela falta de sol, ela está diferente, se tornou mulher e sai para casar. Entrou menina, sai mulher.
Este é padrão de todo o rito de passagem:
separação – iniciação – retorno
A caverna de Trois Frères foi por muito tempo no Paleolítico um lugar de iniciação na magia da caça. Para chegar ao salão onde estão as magníficas pinturas é preciso atravessar um túnel de cerca de 50 m, cuja largura e altura são de menos de 40 cm, e onde é difícil respirar, se tem que rastejar sobre a barriga com os braços do lado do corpo, como se a pessoa fosse uma cobra. A escuridão e o silêncio são totais, porque esse túnel só é alcançado depois de se descer por um caminho longo dentro da caverna.
A iniciação é uma morte simbólica: a antiga personalidade morre e, depois de uma série de provas, nasce uma nova pessoa.
Os aranda do centro da Austrália, no começo do século XX, mantinham um rito de puberdade para os meninos, que os preparava para a dura vida do adulto nesse lugar onde a temperatura pode chegar aos 70 graus C.

Os homens da tribo, que é sempre pequena, fabricam e usam zunidores, instrumentos que emitem um som amedrontador. As mulheres e crianças não têm acesso a eles, e os homens contam que o som vem dos espíritos, que devoram quem desobedece. Em certo momento, os homens, pintados, aparecem de repente e carregam à força os meninos de cerca de 12 anos, levando-os para fora da aldeia. Lá eles ficarão por um mês, passando por provas difíceis e dolorosas, e tendo que obedecer ordens como a de não olhar o que os homens fazem. Quem desobedece é morto. Uma das provas é a circuncisão. Ao terminar o período, a futura sogra do menino, que ao sair de lá vai se casar, entrega a ele uma acha de madeira em brasa para que segure. Durante a iniciação ele recebeu o segredo dos homens, e tem que mantê-lo. Agora é um homem adulto, tem deveres para com a esposa que passa a ter, para com a família que vai formar. Para isso teve que ter seu padrão de menino desestruturado, e um novo padrão, consciente e inconsciente, foi introduzido nele.
O rito de passagem guia a inserção da pessoa na sociedade, quem não se adapta ou é morto, ou é um nada na sociedade. Mas mesmo durante os longos milênios do Paleolítico existiu o outro caminho: o do xamã, aquele que segue o chamado individual.
A jornada do herói é a do indivíduo que atendeu a um chamado diferente. O xamã pode ter uma doença que indica sua vocação, ou outro sinal que o torna diferente dos caçadores comuns. O herói sempre é chamado à aventura.
A jornada do herói também tem três fases:
separação – iniciação – retorno
O chamado à aventura na vida urbana atual é interior, os indícios de que uma forma de viver terminou, se esgotou, não é mais significativa. Pode vir através do fim de um emprego, de um relacionamento, por uma depressão... Pode ser um interesse por uma filosofia ou prática diferente, como ioga, ou disciplinas medievais como alquimia...
Sempre aparece um guia, que nos mitos pode ser um duende, uma aranha, Ariadne ou Beatriz, Hermes ou Mefistófeles... O guia é adequado à jornada que será empreendida, mas isso só se descobre no final. Mefistófeles se apresenta a Fausto: “faço parte daquele poder que sempre deseja o mal mas sempre faz o bem”.
Para quem aceita seguir o chamado, o primeiro passo é cruzar o limiar para o desconhecido, o mundo de prodígios. Nada pode ser explicado pela razão, pelos conhecimentos que se tinha antes, a vida está em suspensão, como no sonho. Começa o caminho de provas, que podem ser a mais diversas, porque o caminho é o do destino de quem o trilha, não existem dois caminhos iguais.
O indivíduo como tal nasceu na Grécia. É a marca do ocidente, porque nas culturas orientais o que conta é a sociedade, não a vontade individual. Mas antes do nascimento do indivíduo, alguns milênios antes, nascera o sofrimento durante a vida, com a chegada da guerra de conquista trazida pelos nômades que tinham o ferro e o cavalo, vindos dos desertos gelados do norte da Europa e Ásia ou do deserto seco da Arábia. Eles dividiram as populações entre os que mandam e os que sofrem.
E quando surge na Grécia o indivíduo que pensa e decide, encontra já instalados os cultos de mistério. Pitágoras é a fusão dos dois: número e música mostram a harmonia do universo, é necessário fazer parte dessa harmonia, através de uma vida ascética.
Os cultos de mistério existiram em vários lugares no mesmo período: Ísis e Osíris no Egito, Cibele na Síria, Mitra na Pérsia... com versões diferentes na Índia.
Na Grécia os mistérios órfico-dionisíacos eram masculinos, e os de Elêusis, femininos. A iniciação no mistério das duas deusas, representadas por Deméter e Perséfone, aqui com características trazidas do culto de Ísis no Egito, faziam parte das duas iniciações, a julgar pelos documentos gnósticos dos primeiros séculos d.C. Os mistérios de Elêusis eram muito antigos, pré-homéricos, e incluíam sacrifícios de porcos, e uma referência a sacrifícios humanos, provavelmente do Neolítico. São uma urbanização, psicologização, dos antigos mitos agrícolas, onde a mulher é o campo fértil, e a cornucópia da abundância é o próprio decorrer da vida.
Nos mistérios gnósticos a iniciação acontecia à luz de tochas, e incluía a descida simbólica ao mundo ínfero e o encontro com a deusa dupla, e ainda mais, com o senhor do abismo, que pode ser o nascido das vezes, Dionísio-Hades, já personificado na própria Perséfone, senhora do mundo inferior. O retorno à luz, onde a última iniciação incluía a lira de Apolo, era mais uma vez a conciliação dos opostos: abismo-céu, trevas-luz, mal-bem, imanente-transcendente.
E então o herói retorna ao mundo, como um iniciado no mistério que encontrou porque era seu destino. Se tudo der certo, ele agora transita entre dois mundos, como fazem os xamãs: consciente e inconsciente, mundo fora e mundo dentro, deus fora e deus dentro.
Mas aí pode residir outro desafio: criar uma forma de transmitir ao mundo a dádiva que trouxe, construir uma vida sobre esse significado revelado.

Fontes:
Joseph Campbell: O herói de mil faces
As máscaras de Deus: mitologia primitiva - mitologia criativa

domingo, 1 de junho de 2014

O que faz Penélope enquanto Ulisses não volta


A guerra de Tróia durou dez anos, e terminou. Voltando para casa, alguns dos heróis morreram na viagem, outros, como Agamenon, tiveram fim trágico, e Ulisses... não chegavam notícias dele. Mais dez anos demorou seu retorno a Ítaca.

Ao partir, contrariado, ele deixara a bela e jovem esposa Penélope com o filho recém-nascido, Telêmaco. Já vimos que Ulisses descende do deus Hermes. E Penélope, quem é?
Penelops significa pássaro, talvez uma ave aquática. A deusa-pássaro é outra forma da deusa-serpente, ambas sendo a expressão da Senhora da Águas, a Grande-Mãe. 
Deusa da Ucrânia
Na Civilização da Europa Antiga, que existiu entre 7 000 e 3 500 a.C. das ilhas do Mediterrâneo até a Ucrânia e da Síria até a Sicília, a Deusa-Mãe era da água: dos rios e do céu, que caía como chuva. Durante essa civilização do Neolítico a Europa estava secando com a retração das geleiras, e imagens de culto ou amuletos com meandros e linhas paralelas (água fluindo), linhas oblíquas tracejadas (chuva) e os olhos da deusa-pássaro protetora da casa e da aldeia ficam mais comuns do que no Paleolítico Superior, quando já existiam, porque as aves aquáticas migratórias eram a principal fonte de alimento dos coletores-caçadores. Algumas imagens associam o leite com a chuva.
A Deusa-Mãe como Deusa-Terra só aparecerá mais tarde, com as invasões dos povos do norte.
Depois que as deusas na Europa foram substituídas pelos deuses dos povos guerreiros, ao sul elas continuaram existindo, na Grécia e em Creta. Dos períodos minóico e micênico há muitas estatuetas da deusa-pássaro e serpente, juntas como deusa dupla, ou separadas. Mesmo na Idade do Ferro a arte geométrica da Grécia mostra os meandros, que representam tanto água como serpente em movimento. 
Atena do Partenon
Atena, deusa cretense, antes de ser guerreira, foi uma deusa-pássaro, protetora do palácio de Cnossos. É representada como uma ave aquática, ou com asas, ou acompanhada por sua ave símbolo, ora um pato, ou garça, abutre ou coruja. E sempre
com serpentes, mesmo na estátua de Fídias para o Partenon, em Atenas que recebeu seu nome e era protegida por ela. Por estarmos agora em uma cultura de guerra, a protetora se torna uma guerreira também. 
Afrodite, nascida em Chipre, é representada com gansos, ela também uma deusa-pássaro. Em Creta, a Ariadne do mito de Teseu era um de seus nomes: A Sagrada.
Deusa-serpente de Creta
Hera, “de Olhos de Vaca” - os olhos da deusa-pássaro – aparece com serpentes nos cabelos ou no corpo, ou com pássaros em torno. Até o mito de como Zeus a seduziu inclui um passarinho.
E-ra, nome pré-grego como essa deusa muito antiga, significa do ar. Ela assume muitas formas, conforme o local, como as várias conquistas de Zeus: Leda, Sêmele, Dânae...
Acabamos de ver a relação entre as três grandes deusas que estão na origem da guerra de Tróia – e que Ulisses encontra sob a forma de ninfas durante sua longa iniciação – e a deusa-pássaro-serpente.

Seria Penélope outra representação da mesma deusa, como ninfa pessoal de Ulisses, e que durante os vinte anos de sua ausência protegeu Ítaca e seu palácio?
E então, o que fez ela durante esses vinte anos?
Pene significa trama, Penélope, aquela que trama. Ariadne, em Creta, fiava. As Moiras fiam. Já se fiava lã de carneiro durante o Paleolítico Superior. A coruja é associada ao fiar desde o Neolítico, ela como as Moiras estão ligadas à morte. O carneiro, como o boi, era o animal de sacrifício à deusa-pássaro neolítica. 
Fiar e tecer são ofício de mulheres, exceto no Egito antigo, onde os homens teciam. Mas a arte de tecer é mais antiga, existia linho em Çatal Hüyük (Anatólia) em 7 000 a.C. Na Ilíada, Helena tece. Na Odisséia, a feiticeira Circe, e Calipso, tecem. Atena, a sábia, ensinou as artes úteis a homens e mulheres, ela mesma tecia trabalhos belíssimos.
Tecer envolve várias ações: depois de fiado,o fio é medido, cortado, a urdidura é montada. Daí começa o trabalho de tecer a trama, o desenho que será visto no tecido. O trabalho, firme, é difícil de ser desmanchado. 
Penélope espera pela volta de Ulisses e protege seu filho que cresce. Os pretendentes à sua mão e ao reino são cento e oito, vivendo no palácio durante anos e pondo em risco a vida de Telêmaco. Penélope continua bela, ela os entretém mas não se decide por nenhum. Às vezes pede aos deuses que a matem, outras pensa se Ulisses voltará mesmo ou se não seria melhor casar com um dos pretendentes. Cria vários estratagemas para adiar a decisão. O mais conhecido é a mortalha que tece de dia para Laerte, durante três anos, e que desmancha durante a noite. Traída por uma das doze criadas infiéis, que se tornara amante de um dos pretendentes, ela – que tivera um sonho sobre a volta do marido – propõe casar com aquele que conseguir manejar o arco de Ulisses.
Teria intuído que Ulisses já estava em Ítaca, disfarçado de mendigo para se preservar? Ou seria outra trama, porque todos sabiam que só Ulisses conseguia manejar seu pesado arco?
Bem, sabemos que Ulisses – Odisseus, o odiado por muitos – matou todos os pretendentes de uma só vez, e então reivindicou seu lugar no leito conjugal. Seria mesmo Ulisses aquele homem, ou um deus disfarçado como acontecera a tantas infelizes mulheres naqueles mitos? Penélope precisava se certificar. 

Ulisses mata os pretendentes
Ordenou que a cama de casal fosse mudada de lugar, e Ulisses protestou que isso era impossível: ele mesmo a fizera, e um dos pés era uma oliveira viva. Então Penélope demonstra sua homophrosyne, que foi depois chamada de fidelidade, e que significa pensamento constante. 
Vinte anos, ou antes dezenove, é o ciclo metônico: o casamento sagrado do Sol e da Lua, quando um eclipse acontece no mesmo ponto do zodíaco. Ulisses e Penélope se unem como representação na Terra do casal divino Zeus e Hera, maduros mantenedores da ordem do reino, tendo passado cada um por sua iniciação
 
Fonte: Marija Gimbutas, The goddesses and gods of old Europe

segunda-feira, 21 de abril de 2014

A jornada do herói na maturidade


Baseado em Joseph Campbell, Goddesses – mysteries of the feminine divine, editado por Safron Rossi.

Se na juventude teve que se separar de mãe e entrar no mundo masculino para “encontrar seu pai” - descobrir quem é e desenvolver um ego capaz de assumir responsabilidades e funcionar no mundo – na maturidade o herói precisa retomar o que deixou para trás, retornar à totalidade que experimentou no começo da vida. 
 

Em 1872 Heinrich Schliemann, escavando na Turquia, encontrou Tróia, seguindo indicações da Ilíada. Nela Homero relatou a guerra que durou dez anos, na qual Aquiles, que fora escondido por sua mãe para não ser levado à batalha, morreu, mas só após matar o troiano Heitor, o melhor dos homens de acordo com os gregos. Ulisses (Odisseu) foi para a guerra a contragosto porque, recém-casado, seu filho Telêmaco acabara de nascer. Heitor, Aquiles, Ulisses e os outros são homens jovens, fortes, vivendo a jornada heróica guerreira, própria de seu tempo e seus povos oriundos dos nômades caçadores do norte da Europa. 
 

A guerra termina e vem o retorno, cada um para seu lar de origem. Aí começa a Odisséia, segundo alguns escrita não por Homero mas por uma mulher. Dörpfeld, seguindo a epopéia, escavou Ítaca, mas não encontrou nenhum palácio. A jornada de Ulisses é a volta para sua esposa – não uma vítima, troféu de guerra, como tantas mulheres na Ilíada. A esposa simboliza a metade feminina do andrógino, Ulisses tem que ser despojado da atitude do guerreiro, que não dá lugar para o diálogo entre o masculino e o feminino. A Odisséia relata uma iniciação: na relação apropriada com o feminino.  
 

O que os homens de Ulisses fazem, ao aportar na primeira cidade, é atacá-la e estuprar suas mulheres. “Esta não é a forma apropriada de convivência de um homem com uma mulher”, dizem os deuses, e os navios são arrastados por dez dias. As três deusas que estão na origem da guerra de Tróia, Afrodite, Hera e Atena, terão que ser apaziguadas. Ulisses as encontrará sob a forma de três ninfas, respectivamente Circe, Calipso e Nausícaa. 
 

A jornada começa com todos sendo postos a dormir, e toda a iniciação ocorre no mundo dos sonhos, do inconsciente; são experiências místicas, metafóricas. 
 

O primeiro encontro é com o guardião do umbral Polifemo – um Ciclope, filho de Posêidon, senhor do inconsciente – que pergunta a Ulisses seu nome. Sendo bisneto do trapaceiro arquetípico Hermes, Ulisses responde: “Ninguém.” Aqui ele se despiu de uma camada: sua identidade mundana. Após cegarem o gigante os homens fogem sob os carneiros, símbolos do sol – Ulisses se despojou de seu caráter social e se identificou com a consciência solar, está agora no mundo espiritual. 
 

Na Ilha dos Ventos o deus Éolo lhe dá um saco cheio de vento que vai levá-lo de volta a Ítaca, se aberto aos poucos. Mas Ulisses – a consciência – dorme, e os subordinados – os instintos, o “eu quero” - por curiosidade, soltam o vento. Depois da inflação pela primeira vitória, vem a deflação, o vazio: eles têm que remar. O próximo porto é uma ilha de canibais, que destróem onze dos navios, sobrando só o de Ulisses. É o fundo do abismo. 
 

Vem então a Ilha da Aurora, da feiticeira Circe, a primeira deusa, a tentadora, que é a iniciadora. Tece, cercada pelos animais em que transformou os homens, e faz virarem porcos os companheiros de Ulisses. Hermes aparece e diz a ele que enfrente a ninfa e aceite compartilhar seu leito. É a primeira experiência de Ulisses com uma mulher que se equipara a ele: ela tem poder mágico, ele tem força física. 
 

Circe envia Ulisses ao mundo ínfero como primeira iniciação. Lá ele encontra Tirésias, que foi em vida alternadamente homem e mulher. Tendo aprendido sobre o androginato, Circe envia Ulisses à Ilha do Sol – a luz da consciência.

O primeiro perigo do caminho são as três sereias, que cantam a música das esferas, afastando o viajante do interesse pelas coisas deste mundo. Depois ele precisa passar entre as duas deusas opostas Cila e Caribde, o rochedo da lógica e o abismo do misticismo. 
Ulisses e as sereias

 
Chegando à Ilha do Sol (Febo Apolo), cujos bois não é permitido matar e comer, Ulisses dorme, e seus homens assam e comem as vacas sagradas. Sucede que, em presença do poder divino maior, da consciência e energia da luz da vida, não se deve pensar em coisas mundanas. Zeus envia um raio que destrói o navio, só Ulisses sobrevive, e é arrastado, agarrado ao mastro, pelo caminho de volta. Seu destino não é a libertação sem retorno, ele deve voltar para a vida junto a Penélope. 
 

Precisa voltar ao mundo da experiência dual, e acaba na Ilha de Calipso, ninfa de meia idade, com a qual vive por sete anos. Isto é casamento. Quando ele aprende o relacionamento prático entre o masculino e o feminino, Hermes vem buscá-lo.

É perseguido por Posêidon no limiar de retorno, mas Atena o ajuda e ele é jogado inconsciente, nu, na praia onde encontra a jovem e destemida princesa Nausícaa, que vê nele seu esperado herói. Ulisses se identifica para o rei e conta sua história. 
 

De volta para casa, dorme de cansaço e acorda em Ítaca, onde precisa vencer os pretendentes de Penélope para voltar ao trono.

Do ponto de vista de Penélope, ...

quinta-feira, 6 de março de 2014

O herói sem raiva


Um samurai viajava pelo Japão procurando o homem que matara seu mestre, porque era seu dever vingar essa morte, matando-o. Depois de vários anos de busca o encontrou. Empunhou sua espada mas, quando ia desferir o golpe, o homem cuspiu em seu rosto, e isso o deixou com raiva. Ele tornou a guardar a espada e partiu. Tinha que matar por dever, sem a interferência de uma emoção pessoal.


Jasão e o dragão
  O herói nunca busca algo só para si, quem faz isso é o tirano usurpador. Jasão, quando vai buscar o tosão de ouro, quer ser rei, mas essa posição é um dever, não uma regalia. O rei representa, na terra, a ordem do céu. Sendo generoso ao governar e aplicar justiça, garante a vida e a prosperidade de todos no reino. Se o rei falha, a terra se torna estéril, devastada. Aquilo que o herói traz de sua jornada é para todos.

O herói conta com a ajuda dos poderes invisíveis, do inconsciente, porque tem um coração puro: livre do medo e da raiva. A coragem é a virtude do coração que não foi dominado pelo fígado – a raiva – nem pelos rins – o medo. O coração heróico não alimenta a mente, criadora dos pensamentos de raiva e medo.

O herói budista tem compaixão pela pessoa que pratica injustiça, porque sabe que seus atos estão criando para ela mesma uma vida de sofrimento. A jornada do herói repete a gênese da vida: união e cooperação, gerando um fluxo incessante, mutável, abrangente, e de complexidade crescente. Chamamos a isso evolução.

No decorrer da jornada o herói cresce em consciência, aprendendo com os poderes divinos o que é a Vida. Com Hélios ele aprende a nascer toda manhã da escuridão para a luz, e morrer cada entardecer para dentro do útero da Mãe-Terra: agir no mundo do tempo, e descansar no sonho da eternidade.

A emoção do dia se dissolve no sonho. Cada dia é novo: viver na eternidade é agir no tempo com a liberdade do novo.