segunda-feira, 21 de abril de 2014

A jornada do herói na maturidade


Baseado em Joseph Campbell, Goddesses – mysteries of the feminine divine, editado por Safron Rossi.

Se na juventude teve que se separar de mãe e entrar no mundo masculino para “encontrar seu pai” - descobrir quem é e desenvolver um ego capaz de assumir responsabilidades e funcionar no mundo – na maturidade o herói precisa retomar o que deixou para trás, retornar à totalidade que experimentou no começo da vida. 
 

Em 1872 Heinrich Schliemann, escavando na Turquia, encontrou Tróia, seguindo indicações da Ilíada. Nela Homero relatou a guerra que durou dez anos, na qual Aquiles, que fora escondido por sua mãe para não ser levado à batalha, morreu, mas só após matar o troiano Heitor, o melhor dos homens de acordo com os gregos. Ulisses (Odisseu) foi para a guerra a contragosto porque, recém-casado, seu filho Telêmaco acabara de nascer. Heitor, Aquiles, Ulisses e os outros são homens jovens, fortes, vivendo a jornada heróica guerreira, própria de seu tempo e seus povos oriundos dos nômades caçadores do norte da Europa. 
 

A guerra termina e vem o retorno, cada um para seu lar de origem. Aí começa a Odisséia, segundo alguns escrita não por Homero mas por uma mulher. Dörpfeld, seguindo a epopéia, escavou Ítaca, mas não encontrou nenhum palácio. A jornada de Ulisses é a volta para sua esposa – não uma vítima, troféu de guerra, como tantas mulheres na Ilíada. A esposa simboliza a metade feminina do andrógino, Ulisses tem que ser despojado da atitude do guerreiro, que não dá lugar para o diálogo entre o masculino e o feminino. A Odisséia relata uma iniciação: na relação apropriada com o feminino.  
 

O que os homens de Ulisses fazem, ao aportar na primeira cidade, é atacá-la e estuprar suas mulheres. “Esta não é a forma apropriada de convivência de um homem com uma mulher”, dizem os deuses, e os navios são arrastados por dez dias. As três deusas que estão na origem da guerra de Tróia, Afrodite, Hera e Atena, terão que ser apaziguadas. Ulisses as encontrará sob a forma de três ninfas, respectivamente Circe, Calipso e Nausícaa. 
 

A jornada começa com todos sendo postos a dormir, e toda a iniciação ocorre no mundo dos sonhos, do inconsciente; são experiências místicas, metafóricas. 
 

O primeiro encontro é com o guardião do umbral Polifemo – um Ciclope, filho de Posêidon, senhor do inconsciente – que pergunta a Ulisses seu nome. Sendo bisneto do trapaceiro arquetípico Hermes, Ulisses responde: “Ninguém.” Aqui ele se despiu de uma camada: sua identidade mundana. Após cegarem o gigante os homens fogem sob os carneiros, símbolos do sol – Ulisses se despojou de seu caráter social e se identificou com a consciência solar, está agora no mundo espiritual. 
 

Na Ilha dos Ventos o deus Éolo lhe dá um saco cheio de vento que vai levá-lo de volta a Ítaca, se aberto aos poucos. Mas Ulisses – a consciência – dorme, e os subordinados – os instintos, o “eu quero” - por curiosidade, soltam o vento. Depois da inflação pela primeira vitória, vem a deflação, o vazio: eles têm que remar. O próximo porto é uma ilha de canibais, que destróem onze dos navios, sobrando só o de Ulisses. É o fundo do abismo. 
 

Vem então a Ilha da Aurora, da feiticeira Circe, a primeira deusa, a tentadora, que é a iniciadora. Tece, cercada pelos animais em que transformou os homens, e faz virarem porcos os companheiros de Ulisses. Hermes aparece e diz a ele que enfrente a ninfa e aceite compartilhar seu leito. É a primeira experiência de Ulisses com uma mulher que se equipara a ele: ela tem poder mágico, ele tem força física. 
 

Circe envia Ulisses ao mundo ínfero como primeira iniciação. Lá ele encontra Tirésias, que foi em vida alternadamente homem e mulher. Tendo aprendido sobre o androginato, Circe envia Ulisses à Ilha do Sol – a luz da consciência.

O primeiro perigo do caminho são as três sereias, que cantam a música das esferas, afastando o viajante do interesse pelas coisas deste mundo. Depois ele precisa passar entre as duas deusas opostas Cila e Caribde, o rochedo da lógica e o abismo do misticismo. 
Ulisses e as sereias

 
Chegando à Ilha do Sol (Febo Apolo), cujos bois não é permitido matar e comer, Ulisses dorme, e seus homens assam e comem as vacas sagradas. Sucede que, em presença do poder divino maior, da consciência e energia da luz da vida, não se deve pensar em coisas mundanas. Zeus envia um raio que destrói o navio, só Ulisses sobrevive, e é arrastado, agarrado ao mastro, pelo caminho de volta. Seu destino não é a libertação sem retorno, ele deve voltar para a vida junto a Penélope. 
 

Precisa voltar ao mundo da experiência dual, e acaba na Ilha de Calipso, ninfa de meia idade, com a qual vive por sete anos. Isto é casamento. Quando ele aprende o relacionamento prático entre o masculino e o feminino, Hermes vem buscá-lo.

É perseguido por Posêidon no limiar de retorno, mas Atena o ajuda e ele é jogado inconsciente, nu, na praia onde encontra a jovem e destemida princesa Nausícaa, que vê nele seu esperado herói. Ulisses se identifica para o rei e conta sua história. 
 

De volta para casa, dorme de cansaço e acorda em Ítaca, onde precisa vencer os pretendentes de Penélope para voltar ao trono.

Do ponto de vista de Penélope, ...