A
guerra de Tróia durou dez anos, e terminou. Voltando para
casa, alguns dos heróis morreram na viagem, outros, como
Agamenon, tiveram fim trágico, e Ulisses... não chegavam notícias
dele. Mais dez anos demorou seu retorno a Ítaca.
Ao
partir, contrariado, ele deixara
a bela e jovem esposa Penélope com o filho recém-nascido, Telêmaco.
Já
vimos que Ulisses descende do deus Hermes. E Penélope, quem é?
Penelops
significa
pássaro, talvez uma ave aquática. A deusa-pássaro
é outra forma da deusa-serpente, ambas sendo a expressão da Senhora
da Águas, a Grande-Mãe.
Deusa da Ucrânia |
Na
Civilização da Europa Antiga, que existiu entre 7 000 e 3 500 a.C.
das ilhas do Mediterrâneo até a Ucrânia e da Síria até a
Sicília,
a
Deusa-Mãe era da água: dos rios e do céu, que caía como chuva.
Durante essa civilização do Neolítico a Europa estava secando com
a retração das geleiras, e imagens
de culto
ou amuletos com meandros e linhas paralelas (água fluindo), linhas
oblíquas tracejadas (chuva) e os olhos da deusa-pássaro protetora
da casa e da aldeia ficam mais comuns do que no Paleolítico
Superior, quando já existiam, porque as aves aquáticas migratórias eram a principal fonte de
alimento dos coletores-caçadores.
Algumas
imagens associam o leite com a chuva.
A
Deusa-Mãe como Deusa-Terra só aparecerá mais tarde, com as
invasões dos povos do norte.
Depois
que as deusas na Europa foram substituídas pelos deuses dos povos
guerreiros, ao sul elas continuaram existindo, na Grécia e em Creta.
Dos períodos minóico e micênico há muitas estatuetas da
deusa-pássaro
e serpente, juntas como deusa dupla, ou separadas. Mesmo na Idade do
Ferro a arte geométrica da Grécia mostra os meandros, que
representam tanto água como serpente em movimento.
Atena do Partenon |
Afrodite,
nascida em Chipre, é representada com gansos, ela também uma
deusa-pássaro. Em Creta, a Ariadne do mito de Teseu era um de seus
nomes: A Sagrada.
Deusa-serpente de Creta |
Acabamos
de ver a relação entre as três grandes deusas que estão na origem
da guerra de Tróia – e que Ulisses encontra sob a forma de ninfas
durante sua longa iniciação – e a deusa-pássaro-serpente.
Seria Penélope outra representação da mesma deusa, como ninfa pessoal de Ulisses, e que durante os vinte anos de sua ausência protegeu Ítaca e seu palácio?
Seria Penélope outra representação da mesma deusa, como ninfa pessoal de Ulisses, e que durante os vinte anos de sua ausência protegeu Ítaca e seu palácio?
E
então, o que fez ela durante
esses vinte anos?
Pene
significa trama, Penélope, aquela que trama. Ariadne, em Creta,
fiava. As Moiras fiam. Já se fiava lã de carneiro durante o
Paleolítico Superior. A coruja é associada ao fiar desde o
Neolítico,
ela como as Moiras estão ligadas à
morte. O carneiro, como o boi, era o animal de sacrifício à
deusa-pássaro neolítica.
Fiar
e tecer são ofício de mulheres, exceto no Egito antigo, onde
os homens teciam.
Mas
a arte de tecer é mais antiga, existia linho em Çatal Hüyük
(Anatólia) em 7 000 a.C. Na Ilíada, Helena tece. Na Odisséia, a
feiticeira Circe, e Calipso, tecem. Atena,
a sábia, ensinou as artes úteis a homens e mulheres, ela mesma
tecia trabalhos belíssimos.
Tecer
envolve várias ações: depois de fiado,o fio é medido, cortado, a
urdidura é montada. Daí começa o trabalho de tecer a trama, o
desenho que será visto no tecido. O trabalho, firme, é difícil de
ser desmanchado.
Penélope
espera pela volta de Ulisses e protege seu filho que cresce. Os
pretendentes à sua mão e ao reino são
cento e oito, vivendo no palácio durante anos e pondo em risco a
vida de Telêmaco. Penélope continua bela, ela os entretém mas não
se decide por nenhum. Às vezes pede aos deuses que a matem, outras
pensa se Ulisses voltará mesmo ou se não seria melhor casar com um
dos pretendentes. Cria vários estratagemas para adiar a decisão. O
mais conhecido é a mortalha que tece de dia para Laerte, durante
três anos, e que desmancha durante a noite. Traída
por uma das doze criadas infiéis, que se tornara amante de um dos
pretendentes,
ela – que tivera um sonho sobre
a volta do marido – propõe casar com aquele que conseguir manejar
o arco de Ulisses.
Teria
intuído que Ulisses já estava em Ítaca, disfarçado de mendigo
para se preservar? Ou seria outra trama, porque todos sabiam que só
Ulisses conseguia manejar seu pesado arco?
Bem,
sabemos que Ulisses – Odisseus, o odiado por muitos – matou todos
os pretendentes
de uma só vez, e então reivindicou seu lugar no leito conjugal.
Seria mesmo Ulisses aquele homem, ou um deus disfarçado como
acontecera a tantas infelizes mulheres naqueles mitos? Penélope
precisava se certificar.
Ulisses mata os pretendentes |
Ordenou
que a cama de casal fosse mudada de lugar, e Ulisses protestou que
isso era impossível: ele mesmo a fizera, e um dos pés era uma
oliveira viva. Então
Penélope demonstra sua homophrosyne,
que foi depois chamada de fidelidade, e que significa pensamento
constante.
Vinte
anos, ou antes dezenove, é o ciclo metônico: o casamento sagrado do
Sol e da Lua, quando um eclipse acontece no mesmo ponto do zodíaco.
Ulisses e Penélope se unem como representação na Terra do casal
divino Zeus e Hera, maduros mantenedores da ordem do reino, tendo
passado cada um por sua iniciação.
Fonte:
Marija Gimbutas, The goddesses and gods of old Europe