ou
no
ventre da baleia
Os
meninos presos na caverna na Tailândia fazem aflorar temas míticos
comuns a várias culturas. Foram doze mais o treinador, o que já é
simbólico.
Caititu |
Na
jornada mítica do herói, este atravessa o umbral que é o início
da aventura. Na caverna - ou no ventre da baleia como Jonas, o Corvo
esquimó, ou o Finn irlandês (que inspirou a Joyce o Finnegan's
Wake) - o umbral é atravessado para dentro, e o herói entra no
útero para se transformar e nascer de novo. Jonas fica 3 dias e 3
noites dentro do peixe, os meninos ficaram 9 dias antes de serem
encontrados. Nove é a medida da gestação, coroamento dos esforços,
da criação: 9 musas na Grécia, 9 é o número do yang e as
direções do espaço na China, 9 círculos do céu e do inferno em
Dante, para os maias a Deusa Nove é a deusa da lua cheia.
O
evento dramático incluiu a tragédia da morte de Saman Kunan, que
mergulhou como voluntário para ajudar as crianças e seu técnico.
Ele encarnou o mito soteriológico em seu objetivo da salvar os
meninos, e também o da vítima sacrificial, o cordeiro oferecido ao
deus em lugar do ser humano.
Rito
de passagem
Os
ritos de passagem da adolescência são encenados na idade que têm
estes meninos. No judaísmo tem o bar mitzvah. Washington Novaes
mostra, na série Xingu,
a terra ameaçada,
um rito de iniciação em que jovens devem atingir um grande ninho de
marimbondos. Darcy Ribeiro escreveu sobre um rito em que os jovens
deviam ir para a floresta e voltar com uma sucuri viva.
Mas
a iniciação na caverna é mais forte e perigosa. Não é para os
“homens honestos” de
que falam os esquimós, e sim para os xamãs. Existe
risco de vida. A queda do céu
descreve a iniciação de Davi Kopenawa, Raoni contou sua iniciação
em entrevista filmada.
Deusa-terra, deusa-lua
Por algum motivo os meninos
e o treinador entraram em uma caverna na
estação chuvosa: no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira –
PETAR – as cavernas ficam fechadas nesta estação.
Como
dito acima, a caverna simboliza o útero da deusa-terra. Sua irmã é
a lua. O javali – o time se chama Javalis Selvagens – é o animal
da deusa-lua. Ártemis, deusa grega da lua, envia um javali para
matar o belo Adônis, que a ofendeu. Desde o Paleolítico se encontra
a substituição lua → água → serpente. O
porco (javali, não um porquinho cor-de-rosa domesticado) substitui a serpente nos mitos da deusa tríplice – a
deusa-lua em suas três fases – na Indonésia, Melanésia,
Austrália e vizinhanças no Pacífico.
Mas também na Grécia aparece nos mistérios de Elêusis, iniciação
feminina em honra de Deméter, deusa oriunda de Creta, e de sua filha
Perséfone, às quais se junta Hécate, a lua minguante. Este
rito inclui a substituição do sacrifício humano pela serpente e
pelo porco: figuras
humanas em farinha e porcos vivos eram lançados às serpentes do
templo, que ficavam em um fosso.
Perséfone sobe |
O
retorno
No
antiqüíssimo mito sumério de Inana, ela desce. Desce, desce... e
tem que ser resgatada. Sua volta inspirou
um clipe de Michael Jackson.
E
os meninos foram resgatados. Dezenas de pessoas arriscaram
heroicamente suas vidas, primeiro dois mergulhadores ingleses
voluntários,
Rick Stanton e
John Volanthen,
num
momento em que não se sabia se seriam encontrados, e se estavam
vivos. Depois outros, inclusive Saman Kunan. O que levou essas
pessoas
a arriscarem suas vidas? Que sentimento os moveu a esta ação
perigosa?
O
herói realiza sua jornada não para si, mas para trazer ao mundo
algo de grande valor, algo como a água da vida, a água que cura.
Estes mergulhadores são os heróis que salvaram os meninos, e são
mais: trouxeram ao mundo a visão da compaixão, do sacrifício
voluntário em favor da vida do outro.
Num
tempo de medo, de solidão, de dissolução de valores humanos que
pareciam há muito tempo estabelecidos, eles mostraram ao mundo o
valor da compaixão. Todos nos beneficiamos de seu heroísmo.
Todos
somos gratos.
Fontes
dos mitos e símbolos:
O
herói de mil faces, Joseph Campbell
As
máscaras de deus – mitologia primitiva, idem
Dicionario
de símbolos, Chevalier e Gheerbrant