terça-feira, 19 de março de 2019

A deusa-pássaro

    Sereia, no nosso imaginário, é um ser meio mulher, meio peixe. Mas as sereias que cantaram para atrair Ulisses eram meio mulheres, meio pássaros. 

Ulisses e as sereias. Vaso coríntio. in Kerényi

    Ulisses fôra avisado para não se deixar levar pelo belo canto das sereias, e instruído para tampar com cera os ouvidos de seus marinheiros e se fazer amarrar por eles ao mastro o navio. Os nomes das sereias variam: Himeropa (aquela cuja voz desperta o desejo), Agláope ( a da voz gloriosa), Pasínoe (a sedutora), e outros. Com rosto de mulher, corpo de pássaro cuja parte inferior tem forma de ovo, pés com garras ou como patas de leão, habitam ilhas que parecem floridas, mas ao se chegar lá são um cenário de terror, com corpos humanos apodrecendo. 


    Cantam, tocam lira e flauta, estão ligadas pela música às Musas. São oráculos, sabem tudo que aconteceu e está acontecendo em todo o mundo. Talvez sejam filhas de Perséfone, deusa do mundo subterrâneo, também conhecida com Afrodite dos mortos. As sereias estão ligadas ao amor – por suas flores – e à morte. Levam os mortos para o reino de Perséfone. Se um navio passasse por elas e os marinheiros não as seguissem, elas é que teriam que morrer. Por isto se suicidam após a passagem de Ulisses. 


    Esse é o mito contado, claro, por Homero na Odisséia. E por outros gregos mais ou menos seus contemporâneos. Existem, porém, outras deusas-pássaro. 


    No Neolítico, Ístar, babilônia, e Afrodite, do leste do Mediterrâneo, eram associadas a um conjunto de símbolos que representam a água: pássaro (aquático), peixe, serpente, labirinto. Atena também é associada a aves aquáticas e serpentes. Por isto a Atena de Fídias, que inspirou a estárua da liberdade de Nova Iorque, tem aquela serpente dentro do escudo. E Afrodite, assim como Selene, anda em um carro puxado por gansos. 


    Já em 6 000 a.C. na Grécia continental (Tessália), quando a região estava secando
Tessália. In Gimbutas
devido à mudança do clima com o fim da glaciação, existiam muitas estatuetas da deusa em forma de pássaro, evocando a água. Essa representação da deusa vinha desde o Paleolítico ao norte do Mar Negro, quando o pássaro representava a deusa. Algumas vezes vinha junto com a suástica, símbolo do pássaro voando. Este pássaro podia ser a cegonha, inimiga da serpente: a face diurna, solar, da deusa como vida, e sua face noturna, lunar, da mesma deusa como morte. E assim vemos a origem das sereias, símbolos do amor e da morte. 




Livros consultados: 
Campbell, Joseph: As máscaras de Deus - mitologia primitiva
Gimbutas, Marija: The godesses and gods of Old Europe
Kerényi, Karl: A mitologia dos gregos vol. I



sábado, 9 de fevereiro de 2019

A primeira guerra

    Li em um site que “a guerra acompanha a humanidade desde o berço.”
    

    Não.
Jebel Sahaba


    Matar sim. Guerra não.
    Claro, caçar, matar para comer, o gênero Homo não é herbívoro. Quando e em que circunstâncias aparecem fósseis indicando morte violenta de um ser humano por outro ser humano? 


    Se a pergunta é: quando aparece o primeiro homicídio? 


    Na caverna de Shanidar, no Iraque, um dos esqueletos de Neandertal indica morte por ferimento que atingiu costela e pulmão. A morte não foi imediata, porque a costela está regenerada. O esqueleto é de 35 a 45 000 anos atrás (Paleolítico Médio).
    Em Sungir, na Rússia, um homem foi morto de forma violenta, por arma, e enterrado de forma especialmente elaborada. Este túmulo é do Gravettiano, cerca de 30 000 anos atrás. São os primeiros Homo sapiens da região. 


    Se a pergunta é: quando aparece o primeiro sinal de guerra, ou seja, um grande número de mortes violentas? 


    Na Núbia, Sudão, um cemitério em Jebel Sahaba tinha 61 esqueletos, dos quais 45% morreram de forma violenta. Este cemitério da cultura Qadan indica rituais ao enterrar os mortos. Esta era uma cultura de caçadores do Mesolítico, que colhiam grãos e os regavam, mas ainda não plantavam. Os esqueletos permitem aproximá-los às populações subsaarianas atuais.
    As mortes aconteceram em período de anos, numa fase em que o recuo das geleiras diminuiu e o frio causou seca na região, há cerca de 13 000 anos. Etnias diferentes habitavam a área, e possivelmente quando o clima era melhor as populações cresceram. Uma hipótese é que, ao vir a seca, os recursos escassearam e vieram as agressões. 


    Concluindo: como o Homo sapiens arcaico surgiu na África durante o Paleolítico Médio, há cerca de 200 000 anos, e ao iniciar o Paleolítico Superior – há 50 000 anos - já tinha evoluído para o homem moderno, fica claro que o primeiro sinal de guerra é bem mais recente do que a espécie. 


    Uma terceira pergunta é: quando surgiram os mitos de guerra? 


    Muitos povos têm rituais de purificação para o guerreiro que mata outro homem. Mesmo o caçador que mata um animal tem vários interditos, por exemplo, entre os yanomamis um caçador nunca come o animal que caçou. Se o fizer, a partir daí os animais fugirão dele.
    Conhecemos muitos mitos de deuses da guerra, contados oralmente antes de surgir a escrita. Entre os egípcios havia Sekhmet, deusa da doença e da guerra, e Seth, deus do deserto, da seca e da guerra. Para os sumérios Inana – o planeta Vênus – era a deusa do amor, do sexo e da guerra. O deus romano Marte era deus da guerra e guardião da agricultura. Indicam que a guerra sempre vem junto com alguma outra coisa. 




Fontes:

Shanidar 3 - Neanderthal Skeleton

Why This Paleolithic Burial Site Is So Strange (and So Important)
https://www.sapiens.org/archaeology/paleolithic-burial-sunghir/

Saharan remains may be evidence of first race war, 13,000 years ago
https://www.independent.co.uk/news/science/archaeology/saharan-remains-may-be-evidence-of-first-race-war-13000-years-ago-9603632.html 


La violencia letal en la evolución humana  

http://www.iieh.com/noticias-y-opiniones/noticias-737136/noticias/la-violencia-letal-en-la-evolucion-humana

   

quarta-feira, 11 de julho de 2018

A iniciação na caverna


ou

no ventre da baleia



Os meninos presos na caverna na Tailândia fazem aflorar temas míticos comuns a várias culturas. Foram doze mais o treinador, o que já é simbólico.
Caititu

Na jornada mítica do herói, este atravessa o umbral que é o início da aventura. Na caverna - ou no ventre da baleia como Jonas, o Corvo esquimó, ou o Finn irlandês (que inspirou a Joyce o Finnegan's Wake) - o umbral é atravessado para dentro, e o herói entra no útero para se transformar e nascer de novo. Jonas fica 3 dias e 3 noites dentro do peixe, os meninos ficaram 9 dias antes de serem encontrados. Nove é a medida da gestação, coroamento dos esforços, da criação: 9 musas na Grécia, 9 é o número do yang e as direções do espaço na China, 9 círculos do céu e do inferno em Dante, para os maias a Deusa Nove é a deusa da lua cheia.

O evento dramático incluiu a tragédia da morte de Saman Kunan, que mergulhou como voluntário para ajudar as crianças e seu técnico. Ele encarnou o mito soteriológico em seu objetivo da salvar os meninos, e também o da vítima sacrificial, o cordeiro oferecido ao deus em lugar do ser humano.


Rito de passagem

Os ritos de passagem da adolescência são encenados na idade que têm estes meninos. No judaísmo tem o bar mitzvah. Washington Novaes mostra, na série Xingu, a terra ameaçada, um rito de iniciação em que jovens devem atingir um grande ninho de marimbondos. Darcy Ribeiro escreveu sobre um rito em que os jovens deviam ir para a floresta e voltar com uma sucuri viva.

Mas a iniciação na caverna é mais forte e perigosa. Não é para os homens honestos” de que falam os esquimós, e sim para os xamãs. Existe risco de vida. A queda do céu descreve a iniciação de Davi Kopenawa, Raoni contou sua iniciação em entrevista filmada.

Deusa-terra, deusa-lua

Por algum motivo os meninos e o treinador entraram em uma caverna na estação chuvosa: no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira – PETAR – as cavernas ficam fechadas nesta estação.

Como dito acima, a caverna simboliza o útero da deusa-terra. Sua irmã é a lua. O javali – o time se chama Javalis Selvagens – é o animal da deusa-lua. Ártemis, deusa grega da lua, envia um javali para matar o belo Adônis, que a ofendeu. Desde o Paleolítico se encontra a substituição lua → água → serpente. O porco (javali, não um porquinho cor-de-rosa domesticado) substitui a serpente nos mitos da deusa tríplice – a deusa-lua em suas três fases – na Indonésia, Melanésia, Austrália e vizinhanças no Pacífico. Mas também na Grécia aparece nos mistérios de Elêusis, iniciação feminina em honra de Deméter, deusa oriunda de Creta, e de sua filha Perséfone, às quais se junta Hécate, a lua minguante. Este rito inclui a substituição do sacrifício humano pela serpente e pelo porco: figuras humanas em farinha e porcos vivos eram lançados às serpentes do templo, que ficavam em um fosso.
Perséfone sobe


O retorno

No antiqüíssimo mito sumério de Inana, ela desce. Desce, desce... e tem que ser resgatada. Sua volta inspirou um clipe de Michael Jackson.

E os meninos foram resgatados. Dezenas de pessoas arriscaram heroicamente suas vidas, primeiro dois mergulhadores ingleses voluntários, Rick Stanton e John Volanthen, num momento em que não se sabia se seriam encontrados, e se estavam vivos. Depois outros, inclusive Saman Kunan. O que levou essas pessoas a arriscarem suas vidas? Que sentimento os moveu a esta ação perigosa?

O herói realiza sua jornada não para si, mas para trazer ao mundo algo de grande valor, algo como a água da vida, a água que cura. Estes mergulhadores são os heróis que salvaram os meninos, e são mais: trouxeram ao mundo a visão da compaixão, do sacrifício voluntário em favor da vida do outro.

Num tempo de medo, de solidão, de dissolução de valores humanos que pareciam há muito tempo estabelecidos, eles mostraram ao mundo o valor da compaixão. Todos nos beneficiamos de seu heroísmo.

Todos somos gratos.



Fontes dos mitos e símbolos:

O herói de mil faces, Joseph Campbell

As máscaras de deus – mitologia primitiva, idem

Dicionario de símbolos, Chevalier e Gheerbrant

domingo, 9 de julho de 2017

A lenda da destruição de Kush

Recolhida em 1912 por Leo Frobenius, no Sudão, e reproduzida por Joseph Campbell em As máscaras de Deus - Mitologia primitiva.
 

Narrada perto de Cartum por Arach-ben-Assul, de Darfur, essa história fala de um tempo onde o Cordofão era verde e próspero. Vê-se aqui a origem de Sherazade, de As mil e uma noites. Historicamente esse fato pode ter se passado sob o reinado de Arqamani (Ergamenes), c. 300 a.C.


Quatro reis governavam um império: um morava na Núbia, outro na Etiópia, o terceiro no Cordofão e o quarto em Darfur, e o mais rico era o do Cordofão, que vivia em Napata. 

Jebel Barkal
Jebel Barkal, onde ficava Napata
Era o rei mais rico da terra, e sua vida era a mais limitada: todas as noites os sacerdotes olhavam as estrelas para saber quando, segundo um costume que remontava a uma época imemorial, o rei deveria ser morto.

Mais uma vez chegou esse dia, o rei foi morto em meio a sacrifícios de animais, o fogo foi apagado, e foi convocado o novo rei: Akaf, sobrinho do anterior. Mas em seu reino o costume foi mudado – “e o povo diz que essa mudança foi a causa da destruição de Napata.”


O primeiro ato do rei devia ser escolher as pessoas que o acompanhariam na morte, entre aqueles que lhe eram mais queridos. Far-li-mas era um escravo presenteado por um rei do Oriente, famoso por sua arte de contar histórias. “Esse homem me entreterá até a hora da minha morte, ele será meu companheiro de morte”, disse Akaf. Far-li-mas disse a si mesmo “é a vontade de Deus”, e não teve medo. Um menino e uma menina deviam cuidar do fogo, que nunca podia apagar, permanecer castos, e ser mortos logo após o rei. Sali-fu-Hamr, a irmão mais nova do rei, foi escolhida pelos sacerdotes, e ficou apavorada.


O rei viveu feliz por um tempo, desfrutando a riqueza, mas um dia compreendeu que caminhava em direção à morte e teve muito medo. E ficou deprimido. E mandou chamar Far-li-mas para lhe contar uma história.


Far-li-mas chegou, e começou. O rei e seus hóspedes escutaram; esqueceram de beber, esqueceram de respirar. Porque a arte de Far-li-mas era como o haxixe, e quando ele acabou estavam todos numa deliciosa embriaguez. O rei esqueceu seus pensamentos de morte, e ninguém notou que a noite tinha se passado, o sol já nascera. Desde esse dia Far-li-mas contava todas as noites suas histórias, a notícia se espalhou pela cidade, pelo país. Cada noite ele ganhava belas roupas, jóias, ouro. Ficou rico, a andava pelas ruas com uma tropa de escravos. As pessoas o amavam e respeitavam.


Sali pediu ao irmão que a deixasse ouvir Far-li-mas contar uma história, e foi atendida. Far-li-mas viu Sali, e por um momento não viu mais nada além dela. E Sali não viu mais nada além de Far-li-mas. 
 

Tirando os olhos de Sali, o narrador começou. Sua narrativa, como o haxixe, embriagou os homens, e depois os levou ao sono. Todos dormiam, mas Sali permaneceu desperta, fascinada por Far-li-mas. Far-li-mas andou na direção de Sali, Sali andou na direção de Far-li-mas. Eles se abraçaram e ela disse: “nós não queremos morrer.” “Mostre-me o caminho”, ele disse. “Quando encontrar uma maneira, eu o chamarei”, ela disse.


Naquele dia Sali perguntou ao sacerdote supremo: “Quem determina quando o fogo é apagado?”

Todas as noites observamos a Lua e as estrelas, e sabemos quais estrelas estão se aproximando da Lua”, disse o sacerdote.

E se vocês não puderem ver as estrelas?”, Sali perguntou.

O sacerdote respondeu: “Se por uma série de noites não pudermos vê-las, não seremos capazes de reencontrá-las”.

E Sali disse: “As obras de Deus são magnifícas, mas a maior não é sua escrita no céu, é nossa vida na terra. Aprendi isso a noite passada. Deus deu a Far-li-mas o dom de contar histórias como jamais existiu. Isso é maior que sua escrita no céu.”

O sacerdote discordou, e Sali disse: “A Lua e as estrelas você conhece, mas já ouviu as histórias de Far-li-mas?”


O sacerdote aceitou o desafio de provar que ela estava errada, e obteve permissão do rei para os sacerdotes ouvirem as histórias. Mas pediu autorização para saírem quando a Lua nascesse, para cumprir seu ofício. Far-li-mas começou, e sua narrativa era como o haxixe, de modo que quando a Lua surgiu todos, inclusive os sacerdotes, dormiam profundamente.

Mas Sali estava desperta, e disse: “Deixe-me beijar esses lábios dos quais saem palavras tão doces.” E Far-li-mas disse: “Deixe-me abraçar essa forma que me deu o poder.” E eles entrelaçaram braços e pernas e deitaram sobre os que dormiam, e conheceram uma felicidade de partir o coração. “Você percebe a maneira?” disse Sali, e eles deixaram o salão.


No dia seguinte o sacerdote disse a Sali que precisava ouvir um vez mais Far-li-mas, e assim foi por muitos dias. E por muitos dias todos dormiram, menos Sali e Far-li-mas.


Mas começou a correr a notícia de que os sacerdotes estavam negligenciando seu ofício, e um cavalheiro visitou o supremo sacerdote para saber quando seria o próximo ritual. Constrangido, o supremo sacerdote foi perguntar aos demais quem estava observando as estrelas. Ninguém respondeu. Então um sacerdote muito velho disse: “Fomos encantados por Far-li-mas. É a vontade de Deus. Mas se ele não for um enviado de Deus, deve ser executado. Porque enquanto ele viver e falar, tudo o escutará.”


O sacerdote procurou Sali e disse que Far-li-mas tinha que morrer, porque era contra Deus. Sali respondeu: “Deus mora em meu irmão. Pergunte o que ele acha.”

E o rei disse de Far-li-mas: “Deus confundiu meu discernimento com o pensamento da morte, depois através de Far-li-mas tornou a mim e todos os outros felizes. Demos a ele ricos presentes, que ele distribuiu em grande parte entre o povo. Ele é rico, como merece, e o povo o ama, assim como eu.”

Mas ele tem que morrer, porque está perturbando a ordem revelada”, disse o sacerdote.

Eu morro antes dele”, disse o rei.

E foi declarado que todo o povo seria testemunha da vontade de Deus nesse caso.


Sali disse depois a Akaf: “O fim da estrada está próximo. Seu companheiro de morte será quem despertará sua vida. Mas eu o necessito para mim mesma, para a consumação de meu destino.” Akaf aquiesceu.


Mensageiros avisaram que Far-li-mas falaria naquela noite na praça, e um trono coberto com um véu foi erguido para o rei. Milhares de pessoas vieram. E por último entrou Far-li-mas. “Sou um servo de Deus, e acredito que todo mal no coração humano repugna a Deus. Esta noite, Deus decidirá”, disse. E começou sua narrativa.


Suas palavras eram doces como o mel, sua voz era como a primeira chuva de verão na terra seca, sua língua exalava um perfume mais intenso que o almíscar, sua cabeça brilhava como a única luz na noite escura. Sua narrativa era como o haxixe que faz as pessoas felizes, e logo se tornou como o haxixe de um sonhador. Com a proximidade do amanhecer, porém, ele elevou sua voz e suas palavras inundaram os corações como as cheias do Nilo: para alguns eram pacificadoras, para outros, assustadoras como o Anjo da Morte. Sua voz ficava cada vez mais poderosa, até que os corações da multidão se levantaram uns contra os outros, como nuvens de tempestade, com raios de fúria se chocando. Quando nasceu o sol e Far-li-mas terminou sua narrativa, os que sobreviveram viram perplexos todos os sacerdotes mortos. 
 

Sali disse a Akaf: “Tire seu véu, mostre-se ao povo, pois o Anjo da Morte os ceifou por ordem de Deus.” Akaf era jovem e belo como o sol nascente, era o primeiro rei que seu povo via. O povo estava em júbilo.


Desde aquele dia não houve mais sacrifícios humanos em Napata. Akaf reinou até a velhice, e foi substituído no trono por Far-li-mas. O país prosperou. Mas quando Far-li-mas morreu, os reis vizinhos romperam os tratados para saquear Napata, que sucumbiu. Foi invadida por bárbaros, e seus últimos filhos vivem hoje em Darfur.


Resumido de Joseph Campbell, As máscaras de Deus - Mitologia primitiva

Artigo na BBC Brasil sobre o sítio arqueológico de Jebel Barkal, patrimônio de humanidade. 

 http://www.bbc.com/portuguese/internacional-40484880#_=_

sábado, 22 de abril de 2017

300 Ramayanas

Rama é um  avatar de Vishnu, assim como Krishna. Seu mito é contado no Ramayana, cuja tradição oral data de cerca de 1 500 a.C., e cuja versão em sânscrito é do século IV a.C.

Hanuman luta contra Ravana
Rama é herdeiro do trono mas, por intrigas de outra esposa de seu pai, é exilado com sua esposa e outro irmão, passando a viver nas florestas. Lá sua esposa é seqüestrada pelo rei-demônio Ravana - isto depois de várias aventuras. Em sua busca da esposa, Rama é auxiliado por Hamuman, rei dos macacos, que se torna símbolo da lealdade. 

O livro é um longo poema, conhecido em toda a Índia nas várias versões das 17 línguas e mais de 200 dialetos falados naquele país. Nem todas as versões são iguais, em algumas Ravana não é tão mau, em outras ele é o pai da esposa de Rama, noutra Ravana é o herói e Rama é um fraco... 
A história é simples, mas há muitas sutilezas no texto que fazem sua beleza e seu valor cultural.

Estas versões têm sido escritas ao longo de muitos séculos, e refletem a forma como se vê em cada lugar e cada tempo a expressão do deus Rama. Sim, porque o Ramayana é uma obra devocional. 

Recentemente alguns radicais tentam situar a composição do Ramayana em um período anterior, equivalente ao que se diz sobre a Bíblia e textos sagrados de outros povos. O que se observa é uma abordagem de acadêmicos, por um lado, e de religiosos radicais por outro.

Em 2010 o professor A.K.Ramanujan teve seu texto 300 Ramayanas retirado da bibliografia da Universidade de Délhi,  o que gerou protestos de outros acadêmicos porque a decisão do reitor foi provocada por pressão de religiosos, comprometendo a independência da universidade. 

Fontes:

https://www.sscnet.ucla.edu/southasia/Religions/texts/Ramaya.html

http://www.sunday-guardian.com/artbeat/ramanujan-a-the-ramayana



sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Pã, filho de Hermes


É um deus rústico da Arcádia: deus dos pastores, das pastagens, dos rebanhos
Afrodite, Pã e Eros (Delos)
de animais, selvagens ou domésticos. Ama a música e a arte, mas é motivo de riso ao dançar ou cantar. Toca a flauta (de Pã) que criou. Seu nome, que vem de rústico, só no período clássico foi associado a “tudo”. Extremamente barulhento, sua aproximação provoca pânico – palavra que tem origem em seu nome – mesmo porque sua natureza intensamente sexual é agressiva. Já nasceu adulto, com barba e peludo. Tem pés de bode, rabo, chifres e um nariz ridículo. Filho de uma ninfa que o rejeitou por repugnância, busca o amor das ninfas, que fogem dele. 
 
É filho de Hermes, que o levou para o Olimpo, envolto numa pele de coelho, onde Dioniso se alegrou com ele. Hermes, vindo da Trácia, tem representação itifálica, é o aspecto masculino da Deusa. É, como Hécate, morador das encruzilhadas. É o psicopompo, representado carregando Dioniso, o que o assemelha a Silenos, um sátiro – fisicamente parecido com Pã. No par Hermes-Dioniso o hermético-espiritual e o animal-divino se igualam, como nos mistérios orfico-dionisíacos.
Mais tarde, Satanás será representado fisicamente semelhante a Pã. Também Saturno é por vezes associado a esta imagem.
De Hermes vem a palavra hermetismo, sinônimo de esoterismo: o que é fechado, que pertence ao círculo interno. “Hermeticamente fechado” todo mundo sabe o que significa. Acabou ficando com o significado de secreto, mas não é esta a idéia inicial. O hermético era transmitido pela iniciação, porque não seria compreendido sem uma alteração da consciência. Hermes como psicopompo, condutor de almas, conduz os mortos até a outra margem, mas também conduz o neófito na iniciação. Como mensageiro dos deuses, com suas sandálias e capacete alados une o céu e a terra. Na guerra de Tróia usa seus escudeiros Tânatos – morte – e Hipnos – sono. É também pelos sonhos que os deuses enviam suas mensagens.
Hermes é também o deus dos mentirosos e dos ladrões. Seu neto Autólico, avô de Ulisses, foi o maior dos ladrões. Simboliza o trickster, o trapaceiro interior, muito importante na individuação: é aquilo em nós que faz com que nos coloquemos em situações que não queríamos.
O divino Hermes e o terrestre Pã são inseparáveis. A realização espiritual só acontece associada às manifestações físicas da natureza corpórea. Do filósofo Sócrates nos chegou através de Platão esta oração:
“Amado Pã, e vós outros deuses aqui ao nosso redor, permiti que eu seja belo na alma e que tudo que me for destinado seja aceito alegremente. Permiti que eu me considere rico e sábio, e que só tenha o ouro necessário a um homem frugal... Acaso devo dizer algo mais, Fedro? Pedi tudo aquilo de que necessito.”
Fonte: Hans-Dieter Leuenberger, O que é esoterismo


domingo, 1 de maio de 2016

A água da vida

Cerâmica de Cucuteni
Era uma vez um rei muito poderoso que vivia feliz e tranqüilo em seu reino.   

Um dia adoeceu gravemente e ninguém esperava mais que escapasse. Seus três filhos estavam consternados vendo o estado do pai piorar dia a dia. Choravam no jardim quando surgiu à sua frente um velho de aspecto venerável que indagou a causa de tamanha tristeza. 
Disseram-lhe estar aflitos por causa da enfermidade do pai, já que os médicos não tinham mais esperanças de o salvar. 
O velho lhes disse: 
"Conheço um remédio muito eficaz que poderá curá-lo; é a famosa Água da Vida. Mas é muito difícil obtê-la." 
O filho mais velho disse: 
"Vou encontrá-la, custe o que custar." 


Foi imediatamente aos aposentos do rei, expôs-lhe o caso e pediu permissão para ir em busca dessa água. 
"Não. Sei bem que essa água maravilhosa existe, mas há tantos perigos a vencer antes de chegar à fonte que prefiro morrer a ver um filho meu correndo esses riscos" disse o rei. 
O príncipe porém insistiu tanto que o pai acabou por consentir. 
Em seu íntimo o príncipe pensava: "Se conseguir a água me tornarei o filho predileto e herdarei o trono." 


Partiu pois montado em rápido corcel na direção indicada pelo velho.
 
Após alguns dias de viagem, ao atravessar uma floresta viu um anão mal vestido que o chamou e perguntou: 
"Aonde vais com tanta pressa?" 
"Que tens com isso, homúnculo ridículo? Não é da tua conta" respondeu altivamente sem deter o cavalo. 
O anão se enfureceu e lhe rogou uma praga. 


Pouco adiante o príncipe se viu entalado entre dois barrancos; quanto mais andava mais se estreitava o caminho, até que não pôde mais avançar nem recuar, nem voltar o cavalo nem descer. 
Ficou ali aprisionado sofrendo fome e sede mas sem morrer. 


O rei esperou em vão sua volta. 

O segundo filho, julgando que o irmão tivesse morrido, ficou contentíssimo pois assim seria o herdeiro do trono. Foi ter com o pai e lhe pediu para ir em busca da Água da Vida. 
O rei respondeu o mesmo que ao primeiro; por fim cedeu ante a insistência do rapaz. 


O segundo príncipe montou a cavalo e seguiu pelo mesmo caminho. 
Quando atravessava a floresta surgiu-lhe o anão mal vestido e lhe dirigiu a mesma pergunta: 
"Para onde vais com tanta pressa?" 
"Pedaço de gente nojento! Sai da minha frente se não queres que te espezinhe com meu cavalo." 
O anão lhe rogou a mesma praga, assim o príncipe acabou entalado nos barrancos como o irmão.


Passados muitos dias sem que os irmãos voltassem, o mais moço foi pedir licença ao pai para ir buscar a Água da Vida. 
O rei não queria consentir, mas foi obrigado a ceder ante suas insistências. 


O jovem príncipe montou em seu cavalo e partiu; quando encontrou o anão na floresta ele, que era delicado e amável, deteve o cavalo dizendo: 
"Vou em busca da Água da Vida, o único remédio que pode salvar meu pobre pai, que está à morte." 

"Sabes onde se encontra?" perguntou o anão. 
"Não." 
"Pois já que me respondeste com tanta amabilidade vou te indicar o caminho. Ao sair da floresta não te metas pelo desfiladeiro que está à frente, vira à esquerda e segue até uma encruzilhada; aí segue ainda à esquerda. Depois de dois dias encontrarás um castelo encantado: é no pátio dele que se encontra a fonte da Água da Vida. 
O castelo está fechado com um grande portão de ferro maciço, mas basta tocá-lo três vezes com esta varinha que te dou para que se abra de par em par. Assim que entrares verás dois leões enormes prestes a se lançarem sobre ti para te devorar; atira-lhes estes dois bolos para apaziguá-los. Aí corre ao parque do castelo e vai buscar a Água de Vida antes que soem as doze badaladas, senão o portão se fecha e tu ficarás lá preso."


O príncipe agradeceu gentilmente, pegou a varinha e os dois bolos e se pôs a caminho, e conforme as indicações chegou ao castelo. Com a varinha mágica bateu três vezes e o imenso portão se abriu; ao entrar os dois leões se arremessaram contra ele de bocas escancaradas, mas atirou-lhes os dois bolos e não sofreu mal algum. 
Porém antes de se dirigir à fonte da Água da Vida não resistiu à tentação de ver o que havia no interior do castelo, cujas portas estavam abertas: galgou as escadas e entrou. 
Viu uma série de salões grandes e luxuosos. 
No primeiro, imersos em sono letárgico, viu uma multidão de fidalgos e criados. Sobre uma mesa estava uma espada e um saquinho de trigo; pressentiu que lhe poderiam ser úteis e levou-os consigo. Indo de um salão a outro, no último deu com uma princesa de rara beleza, que se levantou e disse que, tendo conseguido penetrar no castelo, destruíra o encanto que pesava sobre ela e todos os súditos do seu reino; mas o efeito do encantamento só cessaria mais tarde. 
"Dentro de um ano, dia por dia, se voltares aqui serás meu esposo". 
Depois lhe indicou onde estava a fonte da Água da Vida e se despediu, recomendando-lhe que se apressasse para poder sair do castelo antes do relógio da torre bater as doze badaladas do meio-dia, porque nesse exato momento os portões se fechariam. 


O príncipe percorreu em sentido inverso todos os salões por onde passara, até que viu uma belíssima cama com roupas muito alvas e recendentes; cansado que estava da longa caminhada deitou-se para descansar um pouco e adormeceu. 
Felizmente mexeu-se e fez cair no chão a espada que colocara a seu lado, despertando com o barulho. Levantou-se depressa: faltava um minuto para o meio-dia e mal teve tempo de correr ao parque, encher um frasco com a água preciosa e fugir. 
Ao transpor os batentes da entrada soou o relógio dando meio-dia; o portão se fechou com estrondo e tão rápido que ainda lhe arrancou uma espora.


No auge da felicidade por ter conseguido a água que salvaria seu pai e ansioso por se ver no palácio pulou sobre a sela e partiu a galope. 
Na floresta encontrou o anão no mesmo lugar, o qual vendo a espada e o saquinho de trigo disse: "Fizeste bem em guardar este precioso tesouro. Com essa espada vencerás sozinho o mais numeroso exército, e com o trigo desse saquinho terás todo o pão que quiseres e nunca se lhe verá o fundo." 


O príncipe estava porém apoquentado com a desgraça dos irmãos, e perguntou se o anão poderia fazer algo por eles. 
"Posso, ambos estão pouco distante daqui entalados em barrancos muito apertados; amaldiçoei-os por causa de seu orgulho." 
O príncipe rogou encarecidamente que os perdoasse e libertasse, e o anão cedeu às suas súplicas. 
"Mas te advirto que te arrependerás. Não te fies neles, são de mau coração; liberto-os apenas para te ser agradável." 
Assim dizendo fez os barrancos se afastarem libertando os entalados, pouco depois reunidos ao irmão que os esperava. 
Muito feliz por tornar a vê-los o príncipe lhes narrou suas aventuras e disse que daí a um ano voltaria para desposar a maravilhosa princesa e reinar com ela sobre um grande país. 


Puseram-se os três de regresso para casa. Atravessaram um reino assolado pela guerra, estando o rei desesperado de poder salvar-se e a seu povo. O príncipe confiou-lhe então o saco de trigo e a espada mágica, com os quais o rei derrotou os exércitos invasores e encheu os celeiros até o forro. O príncipe tornou a receber a espada e o saquinho de trigo e os três irmãos seguiram viagem, tomando um navio para encurtar o caminho.

Durante a travessia os dois irmãos mais velhos, devorados de ciúmes, começaram a conspirar contra o mais novo. 
"Nosso irmão conseguiu a Água da Vida e nós não; com isso nosso pai o promoverá a herdeiro do trono que deveria ser nosso e nada nos restará." 
Então juraram perdê-lo. De noite quando ele dormia furtaram-lhe o frasco e substituíram a Água da Vida por água salgada. Tentaram também roubar-lhe a espada e o saquinho de trigo mas os objetos desapareceram de repente.


Chegando em casa o jovem correu para o pai e lhe apresentou o frasco para que logo sarasse. Mal engoliu alguns goles daquela água salgada o rei piorou sensivelmente. Estava se lastimando quando chegaram os mais velhos e acusaram o irmão de ter querido envenenar o pai. Eles porém traziam a verdadeira Água da Vida e lha ofereceram. Apenas bebeu alguns goles pôde se levantar do leito cheio de vida e saúde como nos tempos da juventude. 
O pobre príncipe, expulso da presença do pai, se entregou ao maior pesar. Os dois mais velhos vieram ter com ele rindo e mofando: 
"Pobre tolo! Tu tiveste todo o trabalho e conseguiste encontrar a Água da Vida mas nós tivemos o proveito; devias ser mais esperto e manter os olhos abertos, enquanto dormias a bordo trocamos o frasco por outro de água salgada. E poderíamos se quiséssemos ter-te atirado ao mar para nos livrarmos de ti, mas tivemos dó. Livra-te contudo de reclamar e contar a verdade ao nosso pai, que não te acreditaria; se disseres uma só palavra não nos escaparás, perderás a vida. Também não penses em ir desposar a princesa daqui a um ano, ela pertencerá a um de nós dois."


O rei estava muito zangado com o filho mais moço, julgando que o quisera envenenar. Convocou seus ministros e conselheiros e lhes submeteu o caso.  Foram todos de opinião que o príncipe merecia a morte e o rei decidiu que fosse morto secretamente por um tiro. 
Partindo o moço para a caça sem suspeitar de nada um dos criados do rei foi encarregado de o acompanhar e matar na floresta. 
Chegando ao lugar destinado o criado, que era o primeiro caçador do rei, estava com um ar tão triste que o príncipe lhe indagou a razão: 
"Que tens, caro caçador?" 
"Proibiram-me de falar, mas devo dizer tudo." 
"Dize então o que há, nada temas." 
"Estou aqui por ordem do rei e devo matar-vos." 
O príncipe se sobressaltou mas disse:
"Meu amigo, deixa-me viver. Dar-te-ei meus belos trajes em recompensa e tu me darás os teus, que são mais pobres." 
"Da melhor boa vontade" disse o caçador. 
"É preciso que o rei julgue que executaste suas ordens senão sua cólera recairá sobre ti. Vestirei estas roupas feias e tu levarás  as minhas como prova de que me mataste. Em seguida abandonarei para sempre este reino." Assim fizeram.


Pouco tempo depois o rei viu chegar uma embaixada faustosa do rei vizinho incumbida de entregar ao bom príncipe os mais ricos presentes em agradecimento por ter ele salvo o reino da fome e da invasão do inimigo. 
Diante disso o rei se pôs a refletir: 
"Meu filho seria inocente?" e comunicou aos que o serviam: "Como me arrependo de o ter mandado matar! Ah, se ainda estivesse vivo ..." 
Encorajado por estas palavras o caçador revelou a verdade. Disse ao rei que o bom príncipe estava vivo mas em lugar ignorado. 
Imediatamente o rei mandou um arauto proclamar por todo o país que considerava o filho inocente e que desejava imensamente sua volta. Mas a notícia não chegou ao príncipe; encontrara seu amigo anão, que lhe dera ouro suficiente para poder viver como um filho de rei.


Nesse ínterim a princesa do castelo encantado que ele livrara do sortilégio mandara construir uma avenida toda calçada com chapas de ouro maciço e pedras preciosas que conduzia diretamente ao castelo, explicando aos seus vassalos: 
"O filho do rei que será meu esposo não tardará a chegar; virá a galope bem pelo meio da avenida. Mas se outros pretendentes vierem, cavalgando à beira da estrada, expulsem-nos a chicotadas." 


Com efeito, dia por dia, um ano depois do jovem príncipe ter penetrado no castelo, o irmão mais velho achou que podia se apresentar como sendo o salvador e receber a princesa por esposa. 
Vendo aquela avenida calçada no meio de ouro e pedrarias não quis que o cavalo estragasse com as patas tanta riqueza que já considerava sua e fez o animal passar pelo lado direito. Quando chegou diante do portão e disse ser o noivo da princesa todos riram e depois o correram de lá a chicote. 


Pouco tempo depois veio o segundo príncipe, e vendo todo aquele ouro e jóias pensou que seria um pecado arruiná-los; fez o cavalo galopar pelo lado esquerdo e se apresentou como sendo o noivo da princesa. Teve a mesma sorte do irmão mais velho: foi corrido a chicote. 

Findava o ano estabelecido e o terceiro príncipe resolveu deixar a floresta para ir ter com sua amada e a seu lado esquecer as mágoas. 
Pôs-se a caminho pensando só na felicidade de tornar a ver a linda princesa; ia tão embebido que nem sequer viu que a estrada estava toda coberta de pedras preciosas. Deixou o cavalo galopar pelo meio da avenida, e quando chegou diante do portão do castelo este lhe foi aberto de par em par. Soaram alegres fanfarras e uma multidão de fidalgos saiu para recebê-lo. 
Dentro em pouco apareceu a princesa, deslumbrante de beleza, que o acolheu cheia de felicidade e declarou a todos que ele era seu salvador e senhor daquele reino. As núpcias foram realizadas imediatamente em meio a esplêndidas festas.


Terminadas as festas, que duraram muitos dias, ela lhe contou que seu pai o havia proclamado inocente e desejava vê-lo de novo. 
Acompanhado da rainha sua esposa ele foi ter com o pai e contou-lhe tudo que se passara: como fora traído pelos irmãos e como estes o obrigaram a se calar. 


O rei, extremamente irritado contra eles, mandou que seus arqueiros os trouxessem à sua presença a fim de receberem o castigo merecido, mas vendo suas maldades descobertas eles tinham tomado um barco tentando fugir para terras longínquas para aí esconderem sua vergonha. 
Não o conseguiram. Sobreveio uma tremenda tempestade que tragou o navio e eles pereceram miseravelmente.



Fonte: Irmãos Grimm, conto 97